Canto I, versos 294-304 - Níobe chora

Lá os Deuses fizeram de Níobe uma pedra, ainda

a derramar seu pranto do alto de um penhasco;                                                 295

choram com ela as águas do ressonante Hermo,

choram cimos altíssimos do Sípilo, de onde

vil aos pastores sempre se alastra a névoa.

Eis um grande prodígio aos mortais viajantes

porque é igual mulher aos prantos na lúgubre                                                    300

dor derramando mais de mil lamúrias:

e isso dirias ser exato quando a avistas 

de longe: mas ao chegares mais perto

revela-se a rocha íngreme, o alcantil do Sípilo.

Assim nela se cumpre a raiva feroz dos Deuses                                                   305

chora entre as rochas ainda qual aflita mulher.

Quinto fala de um guerreiro que nasceu no Monte Sípilo (que fica na atual Turquia). Passando por aí, ele aproveita e relembra, numa breve descrição, o mito de Níobe. Os gregos achavam que uma das rochas do Sípilo parecia uma mulher chorando. Até hoje podemos ver essa formação rochosa:


Será Níobe mesmo, chorando até hoje? 

Vocês concordam?


Vou ficando mais familiar com o Quinto de Esmirna graças à prática cotidiana. A tradução dos versos vem ficando mais fácil e os resultados me agradam mais. Achei nesse excerto dois versos muito bonitos e aliterativos:

ekhtrè melonómoisin aeí peripéptat' omíkhle 

aqui temos o som do ríspido  "ekhtré" ("vil", "inimigo", "odioso") que reverbera um pouquinho em "omíkhle" ("névoa"). Além disso tem esse verbo "peripéptat", ("alastrar"), que contribui para o efeito. De tão ríspidos e explosivos, essas palavras até poderiam contrariar a imagem de uma névoa sutil que tudo encobre, mas vejam que legal: Quinto posiciona as duas palavras nas extremidades do verso, e assim como a névoa, que envolve os pastores que andam nas montanhas, as duas palavras em início e fim, enfáticas, também envolvem todo o verso...Eu traduzi assim, tentando manter essas sonoridades e a posição das palavras: 

vil aos pastores sempre se alastra a névoa.

Também gostei do efeito do verso 301:

pénthei muroméne mala muría dákrua kheuei

a repetição de sons mais ríspidos (mua, dákrua, kheuei) se combinando com as consoantes labiais m, que aparecem em profusão ("muroméne mála muría"), criam um verso cuja repetição sonora é muito bonita e, se me permitirem viajar um pouquinho, contrasta a dureza da rocha com a suavidade das lágrimas que são derramadas. Tentei assim:

(porque é igual mulher aos prantos na lúgubre)
dor derramando mais de mil lamúrias


Comentários

  1. Sua tradução mantém a intensidade original do verso, professor, realmente deixa transparente a melancolia de Níobe (que sim, me parece chorar até hoje)!
    O trecho todo é muito bonito, mas os versos finais prenderam minha atenção. Muito bom poder acompanhar seu trabalho!!

    ResponderExcluir
  2. Isadora querida! Obrigado pelo comentário!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas deste blog

O mar retumbante (Q.S., 1. verso 320)

Canto I - Versos 233-253